1. Os instrumentos, ou fontes, que exprimem as regras de Direito
De acordo com uma concepção clássica, são fontes de Direito, em Portugal:
a) As Leis Constitucionais − que abrangem a própria Constituição da República, as Leis Constitucionais avulsas e as Leis de revisão constitucional;
b) As «normas e os princípios de Direito internacional geral ou comum», as «normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas», as «normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte (…) desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos», as «disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências» − art. 8.º da Constituição da República Portuguesa;
c) As leis ordinárias, que compreendem as Leis emanadas da Assembleia da República, os Decretos-Leis do Governo e os Decretos Legislativos Regionais produzidos pelas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
d) Os actos dotados de força equivalente à das leis, tais como os de aprovação de convenções, tratados ou acordos internacionais, decisões do Tribunal Constitucional de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, convenções colectivas de trabalho e outros instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho;
e) Os Regulamentos, ou seja, os instrumentos normativos de grau inferior ao ocupado pelas leis, que visam pormenorizá-las e complementá-las com o intuito de viabilizar a sua aplicação ou execução. Compreendem os Decretos Regulamentares, os Regulamentos, os Decretos, os Decretos Regulamentares Regionais, as Resoluções, os Regimentos, as Portarias, os Despachos Normativos, os Regulamentos Policiais dos Governadores Civis, as Posturas e os Regulamentos autárquicos.
2. As outras fontes de Direito
São de sinais distintos as teses sobre a admissibilidade e relevância de outras fontes situadas à margem das assentes no poder político do Estado de criar Direito escrito. Estas diferenças de concepção emergem, designadamente, de, para uns, as fontes serem meios de formação das regras jurídicas, para outros, vias de revelação das mesmas e, para alguns ainda, meios de formação e revelação. Por vezes, distingue-se entre fontes imediatas e mediatas, assim contornando alguns embaraços emergentes das divergências de abordagem de base.
São comummente referenciadas como podendo integrar a categoria de fontes de Direito:
a) O costume − que corresponde à prática reiterada e habitual de uma conduta, acompanhada do sentimento generalizado da sua obrigatoriedade. Já só se pode considerar fonte do Direito em certas áreas temáticas. Assim, parece relevar ainda no Direito Internacional Público (por exemplo, é de origem costumeira o princípio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros), no Direito Internacional Privado e no Direito Administrativo;
b) A jurisprudência − que corresponde ao sentido que emana das sentenças e dos acórdãos dos Tribunais − não é, segundo alguns, verdadeira fonte de Direito antes assumindo mero relevo ao nível da revelação do sentido das normas, por fornecer resultados de processos interpretativos que poderão ser seguidos por outros intérpretes em função da capacidade de convencer das construções lógicas e técnicas em que se sustentem. Para certos autores, cabem neste conceito não só as decisões judiciais incidentes sobre casos concretos mas também os actos jurisdicionais normativos (acórdãos do Tribunal Constitucional dotados de força obrigatória geral) sendo que, segundo estes, todos seriam actos de verdadeira criação de direito objectivo.
c) A equidade − que assenta na atribuição, aos órgãos jurisdicionais, de competência para formularem, relativamente a determinados casos concretos sob avaliação, regras jurídicas adequadas às especificidades desses casos, fazendo apelo a princípios gerais de justiça e à consciência ético-jurídica do julgador. «Os tribunais só podem resolver segundo a equidade: a) quando haja disposição legal que o permita; b) quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; c) quando as partes tenham previamente convencionado recurso à equidade» − art. 4.º do Código Civil.
d) Os usos − são práticas sociais reiteradas às quais falta a convicção da respectiva obrigatoriedade que se apresentam como relevantes no tráfico jurídico, designadamente no domínio da integração dos negócios jurídicos e, em particular, no sector comercial. São juridicamente atendíveis quando a lei o determine e desde que não se revelem «contrários aos princípios da boa fé» − art. 3.º do Código Civil. Não são, em consequência, modos autónomos de criação do Direito e, para muitos, não se apresentam como verdadeiras fontes de Direito.
e) A doutrina − conjunto das opiniões dos juristas, ou seja, resultado do estudo teórico ou dogmático do Direito − parece que não se deverá considerar como vera fonte de Direito sendo que, porém, desempenha um papel de relevo enquanto elemento gerador de aperfeiçoamento científico e técnico com repercussões no resultado final do labor daqueles aos quais cabe interpretar e aplicar as normas jurídicas;
3. A hierarquia entre os diferentes instrumentos geradores de Direito
Quando se faz referência à hierarquia das leis, pretende-se mencionar o valor relativo das mesmas, isto é, o seu posicionamento numa escala ordenada.
Neste âmbito, há quem defenda existir apenas uma hierarquia quanto ao modo de criação. Não haveria, assim, qualquer definição de posições relativas entre regras jurídicas mas, apenas, entre géneses ou matrizes de formação.
Quer se opte por uma ou por outra via, é possível estabelecer uma lista de precedências.
É o seguinte o ordenamento hierárquico das fontes indicadas no primeiro título deste tema:
1.º A Constituição da República e as Leis Constitucionais;
2.º As normas e os princípios de Direito internacional geral ou comum e as Convenções Internacionais (ou seja, todos os actos referidos na al. b) do n.º 1 deste tema);
3.º As Leis e os Decretos-Leis;
4.º Os Decretos Legislativos Regionais;
5.º Os actos dotados de força equivalente à das Leis;
6.º Os Regulamentos.
4. As modalidades de entrada em vigor no território nacional das regras contidas nos instrumentos supranacionais
A recepção dos instrumentos normativos internacionais obedece aos seguintes critérios, descritos no art. 8.º da Constituição da República Portuguesa:
a) «As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português»;
b) «As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português»;
c) «As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos»;
d) «As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
5. As diferentes autoridades vocacionadas para adoptar regras de Direito
Estão vocacionadas para adoptar regras de direito a Assembleia da República, o Governo, os Governos e Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira, as Autarquias Locais e algumas autoridades administrativas.
6. O processo de adopção dessas regras de Direito
A forma da produção normativa varia em função das normas específicas a que cada órgão responsável pela criação deva submeter-se. Os diferentes tipos de actos legislativos são, pois, gerados através de distintos procedimentos de elaboração. Passa-se a descrever os dois sistemas mais solenes e mais relevantes de produção de regras de direito.
No que respeita ao processo de maior complexidade, que corre perante a Assembleia da República pode, em síntese, referir-se que o mesmo compreende os seguintes momentos lógicos:
a) Iniciativa legislativa − que compete «aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores, competindo a iniciativa da lei, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias legislativas regionais» (n.º 1 do art. 167.º da Constituição da República Portuguesa);
b) Admissão inicial, publicação, registo, numeração e apreciação − esta fase compreende a ponderação da admissibilidade da proposta, a sua publicação noDiário da Assembleia, tratamento administrativo e, finalmente, a avaliação do seu conteúdo;
c) Discussão e aprovação − contempla um debate na generalidade e outro na especialidade, uma votação na generalidade, uma votação na especialidade e uma votação final global. Para a aprovação, poderá ser exigida uma maioria simples, uma maioria absoluta ou uma maioria qualificada;
d) Controlo − a ser realizado pelo Presidente da República, em prazo legal. Pode culminar com a promulgação do texto proposto ou com o exercício do direito de veto. Neste caso, haverá lugar a uma segunda deliberação. Se o voto for confirmado ou forem introduzidas alterações, o aludido texto é de novo enviado para promulgação, sendo que esta deverá ocorrer também num prazo pré-definido. Cumpre ao Presidente da República “promulgar e mandar publicar as leis, os decretos-leis e os despachos regulamentares, assinar as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do Governo” (al. b) do art. 134.º da Constituição da República Portuguesa).
e) Publicação − após promulgação, o Presidente da República deve mandar publicar o novo texto normativo no Diário da República.
O procedimento legislativo do Governo assenta nas seguintes fases principais:
a) Iniciativa legislativa − que cabe aos gabinetes ministeriais;
b) Instrução − nesta fase, cumpre ao ministro proponente do projecto recolher pareceres, devendo ser, também, realizadas as audições de entidades referidas na Constituição e na Lei;
c) Apreciação preliminar e de fundo − que consiste no exame e avaliação das propostas na fase de recebimento e após a sua admissão liminar;
d) Aprovação − embora haja actos normativos que não carecem de aprovação em Conselho de Ministros, esta intervenção cabe, por regra, ao referido Conselho;
e) Controlo − no «prazo de quarenta dias contados da recepção de qualquer decreto do Governo para ser promulgado (…), deve o Presidente da República promulgá-lo ou exercer o direito de veto, comunicando por escrito ao Governo o sentido do veto» (n.º 4 do art. 136.º da Constituição da República Portuguesa);
f) Publicação − consiste na divulgação, através do Diário da República, do texto legal produzido.
7. As modalidades de entrada em vigor das regras de origem nacional
«A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial». «Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial» − art. 5.º do Código Civil.
Face ao disposto no art. 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 26/2006 de 30 de Junho:
nº 1 - «Os actos legislativos e os outros actos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação».
nº 2 - «Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no 5.º dia após a publicação».
nº 4 - O prazo referido no n.º 2 conta-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, SA.
8. Os meios de regular os eventuais conflitos entre diferentes regras de Direito
A mais importante tarefa, neste domínio, cabe ao Tribunal Constitucional, já que lhe cumpre declarar a inconstitucionalidade de normas que colidam com o disposto na Constituição da República Portuguesa ou com os princípios nela vertidos.
No contexto da apreciação dos casos concretos que lhes sejam submetidos, os Tribunais não podem aplicar normas que violem o disposto na Constituição ou os princípios dela emergentes.
No seio do processo interpretativo realizado com vista à avaliação dos feitos que lhes sejam submetidos, cabe aos Tribunais superar os eventuais conflitos existentes entre diferentes regras de Direito, atendendo sempre à referida hierarquia de fontes. No quadro dessa intervenção, cumpre-lhes considerar o sistema sob uma perspectiva unitária, sem admissão de fracturas ou inconsistências, designadamente de natureza lógica e semântica, ponderando as circunstâncias subjacentes à produção normativa e as específicas condições de tempo do juízo, sempre exigindo um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, com a solução assumida e presumindo que o legislador tenha consagrado as soluções «mais acertadas» e sabido «exprimir o seu pensamento em termos adequados» − art. 9.º do Código Civil.
No que respeita ao conflito de leis de Direito Internacional Privado, consulte, por favor, a ficha informativa sobre «Direito aplicável»
Excelente. É sempre oportuno alertar. O problema é que, amiúde, a hierarquia das leis é atropelada e não há quem bata com a mão na mesa. E os poucos que o fazem são considerados insubordinados.
ResponderEliminarSe fossemos só "insubordinados"...
EliminarEm determinados serviços já não é possível resolução com o diálogo, portanto, escrever em frente :)