"Carta Aberta
Srs. Governantes de Portugal,
Sou uma técnica administrativa,
de uma empresa pública de transportes da área metropolitana de Lisboa
(que está prestes a ser destruída), sou possivelmente uma candidata
séria ao desemprego, pois aquilo que
está
previsto para esta área é bastante preocupante. Aufiro um vencimento
que ronda os 1100€ (líquido), tenho 36 anos e "visto a camisola" da
minha empresa desde os 19 anos.
Tenho o 12º ano de escolaridade,
porque na época em que estudava os meus pais, que queriam o melhor para
mim, não tinham possibilidade de me pagar uma universidade, por isso
tive de ingressar cedo no mercado de trabalho, investi na minha formação
e tirei alguns cursos para evoluir, continuo a ambicionar tirar um
curso superior. Pensava efectuar provas no próximo ano, para tentar
ingressar numa universidade pública, faria um sacrifício para pagar as
propinas (talvez com o dinheiro que recebesse do IRS, conseguisse
pagá-las), mas realizaria um sonho antigo.
Comprei casa há uns anos (cerca
de 7 anos), consciente de que conseguia pagar a dívida que estava a
contrair, nessa altura era possível e de acordo com a lógica de evolução
das coisas, a minha vida
melhoraria
gradualmente, este era o meu pensamento e julgo que partilhado pela
maioria dos portugueses. Não vivo, nem nunca vivi acima das minhas
possibilidades. Tenho um carro de 1996, porque sou contra o
endividamento e achei sempre que não podia dar-me ao luxo de ter um
carro melhor, confesso que já me custa conduzir aquela lata velha, mas
peço todos os dias para que não me deixe ficar mal, esse carro foi
comprado a pronto, custou-me cerca de 1.000€, que paguei com um subsídio
de férias ou de natal, direito alienável de qualquer trabalhador. Esses
subsídios permitem-me pagar o condomínio, os seguros de carro e casa, o
IMI ou outras despesas extra com as quais não estou a contar (como por
exemplo a oficina, quando a lata velha resolve avariar).
Até hoje paguei sempre as minhas
contas a tempo e horas. Tenho um cartão de crédito que a banca me
ofereceu, mas que nunca utilizo, porque sou consciente dos juros
exorbitantes que são cobrados e tenho exemplos de que não se deve gastar
o que não se tem. Não pago qualquer prestação para além da casa, se não
tiver dinheiro, não efectuo a compra. Isto tudo para dizer, que não
devo, nem nunca devi nada a ninguém. Pago todos os meus impostos,
portagens, saúde, alimentação, água, luz, gás, gasolina, etc. Não tenho
filhos, e hoje dou graças a Deus, porque não sei em que condições
viveriam se os tivesse.
Esta pequena introdução
sobre a história da minha vida, que acho que não interessa a ninguém,
mas apenas a mim, serve para que percebam a minha realidade, que
certamente é a realidade de milhares de portugueses, haverá uns em
situação muito pior e alguns em situação bem melhor. Mas posso servir
bem, como um pequeno exemplo ilustrativo, para aqueles que governam um
país, que por acaso tem pessoas, algo que
me parece muitas vezes ser esquecido.
É esta a minha forma de
demonstrar a minha indignação perante alguns comentários efectuados por
alguns de vós e tendo em conta a actual situação do nosso país.
Aproveitando também para lhes pedir alguns esclarecimentos.
Eu já ouvi o primeiro-ministro
português, dizer que não sente que tem de pedir desculpas aos
portugueses, pelo défice e pela dívida, mas pergunto Sr.
Primeiro-ministro, sou eu que tenho de pedir desculpas, por um orçamento
de estado herdado do governo anterior, que sem a sua ajuda não teria
sido aprovado, ou já se esqueceu desse pormenor? Desde essa altura,
portanto, desde o início deste ano, que vejo o meu vencimento reduzido
em 5% e que contribuo mais que os outros portugueses, para o equilíbrio
das contas públicas e para o défice.
Sim,
porque ao que me parece, eu e todos os funcionários públicos, que têm o
azar de trabalhar para o estado, ou na máquina do mesmo, são mais
portugueses do que os outros. Não sei se eles se contentariam em receber
uma medalha, pela parte que me toca, dispenso essa honra, pois isso
contribuiria para o agravamento da despesa, por isso não se incomodem,
prefiro que poupem esse dinheiro e me continuem a pagar os subsídios a
que tenho direito.
Direito, Estado de Direito...
Neste momento e em Portugal, não consigo descortinar o que isso é, até
porque a legislação e constituição têm sido ajustadas à medida, de
acordo com os interesses em vigor, pois se assim não fosse, teria sido
inconstitucional a redução do meu salário, bem como seria impossível,
cortarem-me o subsídio de natal e de férias nos próximos dois anos, peço
que me esclareçam também nestes pontos, pois existem muitas coisas que
não estou a perceber, acredite, que não sou assim tão ignorante.
Outra coisa que me faz alguma
confusão, é ouvi-lo dizer que o orçamento é seu, mas o défice não...
Pergunto Sr. Primeiro-ministro, o défice é meu? O défice é dos
trabalhadores portugueses, mas não é seu? O Sr. porventura não é
português? Não contribuiu em nada para a situação em que nos
encontramos? Há qualquer coisa aqui que não bate certo.
Agora aquilo que mais me
transtorna é pedirem ainda mais sacrifícios ao povo português e terem a
ousadia de dizer que (sobretudo) o povo vive acima das suas
possibilidades. Como já tive oportunidade de demonstrar a minha
realidade, acho que não preciso voltar a explicar a minha forma de viver
e a "ginástica" que tenho de fazer com meu vencimento para conseguir
pagar as minhas contas e ainda assim sobreviver. Nem consigo imaginar,
como farão famílias inteiras, que apenas recebem o ordenado mínimo
nacional, é para mim um exercício difícil, apenas me posso compadecer,
pela situação miserável em que devem estar a viver e dar-lhes também
voz, nesta minha missiva.
Por isso, posso garantir que
pela parte que me toca, não vivo acima das minhas possibilidades, mas
certamente, que o Estado português e as empresas públicas, estão a
viver acima das possibilidades de todos os trabalhadores portugueses.
Apesar de relativamente a este assunto ainda não o ter ouvido dizer que
iam haver cortes, ou os poucos que referiu, ainda não me conseguiram
convencer... Dou-lhe alguns exemplos
práticos, para que perceba e qualquer leigo no assunto também...
Vou referir-me a todos os que
ocupam cargos relevantes na nossa sociedade, são eles os administradores
de empresas, os directores, os autarcas, os deputados, ministros,
assessores, vogais, etc. Todos eles e vocês auferem vencimentos
superiores ao meu e da maioria dos trabalhadores, vamos supor que ganham
entre os 2.000€ e os 10.000€ mensais, sabemos bem que estas contas não
são as reais e que os valores são bem superiores, nalguns casos, mas
para demonstrar o que pretendo, podemos usar estes valores como base.
Tudo o que vou descrever abaixo,
é a realidade do meu país e da vossa má gestão enquanto governo. Não
vos dei o meu voto, nem a todos os que passaram por aí desde o 25 de
Abril de 1975. Apesar de concordar com os princípios básicos da
democracia, há muito que deixei de acreditar que vivia numa. Isto não é
democracia, em democracia, também se ouve o povo, em democracia os
órgãos de comunicação social não manipulam a opinião pública, nem são
marionetas do Governo. Acredito mesmo assim, que a maioria daqueles que
votaram e vos deram a vitória nestas eleições, acreditavam de facto numa
mudança, mas mais uma vez, mudaram apenas as moscas e rodaram as
cadeiras.
Por tudo isto, agradeço que
descontem tudo o que descrevo em baixo dos meus impostos, porque isto,
meus senhores, nem eu, nem os trabalhadores portugueses, temos
possibilidades de pagar!
Esclareçam-me quanto aos seguintes pontos e quanto tudo isto me custa
(a mim e a todos os contribuintes portugueses):
- Se me desloco em viatura
própria para o meu trabalho e a maioria das pessoas usam o transporte
público, digam-me porque é que tenho de comprar carros topo de gama para
toda esta gente, que ganha no mínimo
o dobro que eu e que ainda tem viatura própria superior à minha?
Porque
tenho de lhes comprar os BMW's e os Audis, pagar-lhes a gasolina, as
portagens, as inspecções, as revisões, os seguros, os motoristas e
quanto isso me custa? Acham que o povo português pode e quer, continuar a
pagar isto?
- Se tenho um cartão de crédito
que não utilizo, porque tenho de vos pagar os cartões de crédito com
plafond" mensal para despesas diversas? Quem vos disse que queríamos que
gastassem assim o nosso
dinheiro? Quem vos autorizou?
- Se almoço no refeitório da
Empresa e suporto, com o meu vencimento, todas as minhas refeições, por
que tenho de pagar as vossas em restaurantes de luxo? - Acham que temos
possibilidade de continuar a viver assim? Como têm o descaramento de nos
continuar a pedir sacrifícios?
- Se não saio do país, porque
não tenho hipótese (como adorava poder efectuar uma viagem por ano), por
que tenho de vos pagar, as viagens, as despesas de alojamento e as
ajudas de custo? Por que viajam em
classe executiva, porque ficam alojados em hotéis de 5 estrelas, se estamos a viver num país falido e endividado?
- Por que tenho de pagar os vossos telemóveis e as vossas contas?
- Por que tenho de vos pagar
computadores portáteis, se para pagar o meu tive de fazer sacrifícios e
ainda o utilizo ao serviço da empresa, quando necessário.
- Porque tenho de pagar 1.700€
de subsídio de alojamento, aos membros do governo que não residem em
Lisboa? Se só posso pagar de renda um máximo de 500€, isto, enquanto não
ficar desempregada, porque nessa altura, terei provavelmente de vender a
casa ou entregá-la ao banco e procurar emprego noutro sítio qualquer e
quero ver quem me vai pagar o subsídio de alojamento ou de arrendamento.
Aliás onde estão esses subsídios para os milhares de desempregados
deste país?
- Não quero pagar pensões vitalícias a ex-membros do governo que continuam no activo e a acumular cargos e pensões.
- Não quero pagar ajudas de
custo, ninguém me paga ajudas de custo para coisa nenhuma, não tenho de o
fazer a quem aufere o triplo e o quádruplo do meu vencimento.
- Não quero pagar estudos, nem
pareceres, nem quero, que estejam contemplados no Orçamento de Estado,
se não têm capacidade para governar, não se candidatem aos cargos, um
governo ao ser constituído,
escolhe as pessoas de acordo com a sua experiência e competência nas diversas áreas (ou assim deveria ser).
- Não quero pagar mais BPN's,
nem recapitalizações da banca, nem TGV's, nem PPP's que penalizam
sempre o estado e beneficiam o privado.
- Não quero mais privatizações
em áreas essenciais, como a dos transportes, dos correios, das águas de
Portugal, etc. Se são necessárias reformas, façam-nas, sentando-se à
mesa com os trabalhadores e negociando, não aniquilando as Empresas.
- Quero uma verdadeira política de regulação e supervisão do direito à concorrência, coisa que não existe neste país.
- Quero ver nas barras dos
tribunais e a indeminizarem o Estado e o Povo Português, todos os que
efectuaram crimes de colarinho branco, de corrupção, de má gestão, que
defraudaram o estado em milhões de euros.
Se eu cometer um crime sou responsabilizada por ele. Eles também têm de ser.
Estes são apenas alguns exemplos
das despesas, que nem eu, nem a maioria dos trabalhadores portugueses,
querem pagar. Por isso meus senhores, façam as contas, digam-nos quanto
poupam com todas estas coisas e depois sim, podem pedir sacrifícios aos
portugueses, mas a todos, não só a alguns, nem sempre aos mesmos.
Até lá, restituam-me o que me
estão a roubar no vencimento desde o inicio deste ano. Peço que tirem de
uma vez por todas essa ideia da cabeça, de me tirarem os subsídios de
natal e de férias dos próximos anos, aliás, isso é inconstitucional e
ilegal ("Os subsídios de Natal e de férias são inalienáveis e
impenhoráveis". - F. Sá Carneiro, Decreto-Lei n.º 496/80 de 20 de
Outubro, promulgado em 10.10.1980, pelo Presidente da República A.
Ramalho Eanes), acho que estão a ter algum problema com os vossos
responsáveis da área jurídica e não vos estão a prestar os devidos
esclarecimentos, por isso, deixo aqui o meu pequeno contributo.
E para não dizerem que nós não
queremos fazer sacrifícios, deixo também uma pequena lista das áreas
para onde quero contribuir, com os meus impostos e onde quero ver o meu
dinheiro aplicado:
Quero continuar a descontar para a Segurança Social e a mantê-la sustentável, para pagamento de:
- Reformas daqueles que
trabalharam e descontaram uma vida inteira, daqueles que lutaram pelo
nosso país e foram obrigados a ir para uma guerra, que não era deles e
onde ainda hoje impera a vergonha nacional, na forma como são tratados
os ex-combatentes. Não me importo e concordo, que a reforma mínima, seja
aumentada para um valor que garanta dignidade aos nossos idosos, o
que está longe de acontecer nos dias de hoje;
- Abono de Família, com aumento
para as famílias mais desfavorecidas ou com rendimentos inferiores a
1.000€ (aumentando de acordo com o número de filhos).
- Pagamento de subsídio de apoio
social, desde que verificada a real necessidade da família ou
indivíduo. Bem como, de todos os subsídios (de doença, desemprego,
assistência à família, maternidade, etc.), desde que verificadas as
situações, o que me parece já ser uma prática comum.
- Aumento do ordenado mínimo nacional para 500€ (o que continua a ser uma vergonha).
- Continuo a pagar impostos para
garantir uma boa Educação, Saúde, Justiça (neste caso para todos e não
só para alguns), Segurança, Cultura, ou seja, para todas as áreas onde o
governo tem reduzido e quer reduzir ainda mais, ao abrigo da
austeridade.
Agora peço-vos que não insultem
mais a inteligência dos portugueses, a única coisa estúpida que fazem, é
continuar a dar poder a pessoas pequeninas como os senhores, que pouco
ou nada contribuem para lhes
melhorar a vida.
Não nos voltem a dizer, que
estas medidas são necessárias e suficientes, porque sabemos que é
mentira e, enquanto não apostarem no crescimento real da economia, na
produção de recursos e na criação de emprego, todas as medidas que
tomarem, terão um efeito nulo e só agravarão a situação do país e das
famílias. Não é necessário ser um grande génio financeiro, pois até o
Sr. Zé da mercearia (com todo o
respeito que tenho pelo sr., e que apenas estudou até à 4ª classe), percebe isto.
Não nos comparem nunca mais, com
outros países mais desenvolvidos, ou quando o fizerem, esclareçam
também, quais os benefícios sociais que eles têm e os ordenados que eles
recebem, digam também quanto pagam de impostos e por serviços e quanto
pagamos nós. Somos dos mais pobres e dos que mais pagam por tudo. Por
isso meus senhores não nos peçam mais nada, porque já passaram todos os
limites.
Fico a aguardar uma resposta a todas estas minhas questões.
Não me despeço com consideração, porque infelizmente, ainda não a conseguiram ganhar.
Manuela Cortes"
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